segunda-feira, 22 de junho de 2009

Aproveite bem o seu dia


Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em um vôo da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação de oferecer a melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e o avião mergulha para a morte no meio do Oceano Atlântico. Sem que você perceba, ou possa fazer qualquer coisa a respeito, sua vida acabou. Numa bola de fogo ou nos 4 000 metros de água congelante abaixo de você naquele mar sem fim. Você que tinha acabado de conseguir dormir na poltrona ou de colocar os fones de ouvido para assistir ao primeiro filme da noite ou de saborear uma segunda taça de vinho tinto com o cobertorzinho do avião sobre os joelhos.
Talvez você tenha tido tempo de ter a consciência do fim, de que tudo terminava ali.Talvez você nem tenha tido a chance de se dar conta disso. Fim.
Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar vestígios. Como se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar de emprego ou de expandir os negócios. Seu amor imenso pelos filhos e sua tremenda incapacidade de expressar esse amor. Seu medo da velhice, suas preocupações em relação à aposentadoria. Sua insegurança em relação ao seu real talento, às chances de sobrevivência de suas competências nesse mundo que troca de regras a cada seis meses. Seu receio de que sua mulher, de cuja afeição você depende mais do que imagina, um dia lhe deixe. Ou pior: que permaneça com você infeliz, tendo deixado de amá-lo. Seus sonhos de trocar de casa, sua torcida para que seu time faça uma boa temporada . Suas noites de insônia, essa sinusite que você está desenvolvendo, suas saudades do cigarro. Os planos de voltar à academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo positivo) dos amores e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as dezenas de pequenos problemas cotidianos que você tinha anotado na agenda para resolver assim que tivesse tempo.
Bastou um segundo para que tudo isso fosse desligado. Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes lhe pesou toneladas tenha se apagado. Como uma lâmpada que acaba e não volta a acender mais. Fim.
Então, aproveite bem o seu dia. Extraia dele todos os bons sentimentos possíveis. Não deixe nada para depois. Diga o que tem para dizer. Demonstre.. Seja você mesmo. Não guarde lixo dentro de casa. Não cultive amarguras e sofrimentos. Reflita a sua conduta para com as pessoas. Valorize as suas conquistas. Prefira o sorriso, faz bem a você e aos que estão ao seu redor. Dê risada de tudo, de si mesmo. Não adie alegrias nem contentamentos nem sabores bons. Seja feliz. Hoje. Amanhã é uma ilusão. Ontem é uma lembrança. No fundo, só existe o hoje e o que você deixará no "amanhã". Se necessário: redirecione a sua vida e faça um novo fim. Por fim, agradeça a Deus simplesmente por você existir.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Uma mente brilhante

Sempre acreditei nos números

Nas equações e na lógica que leva à razão

E após uma vida toda de buscas, pergunto:

O que realmente é a lógica?

Quem decide o que é racional?

Tal busca me levou através da Física, da Metafísica, do delírio e de volta

E então fiz a descoberta mais importante da minha carreira

A descoberta mais importante da minha vida

É somente nas misteriosas equações do amor que alguma lógica pode ser encontrada

Só estou aqui por sua causa

Você é a razão pela qual existo

Voce é toda minha razão

Obrigado

John Nash - Uma mente brilhante

PROUNI

por Élio Gaspari, em O Globo
A demofobia pedagógica perdeu mais uma para a teimosa insubordinação dos jovens pobres e negros. Ao longo dos últimos anos o elitismo convencional ensinou que se um sistema de cotas levasse estudantes negros para as universidades públicas eles não seriam capazes de acompanhar as aulas e acabariam fugindo das escolas. Lorota. Cinco anos de vigência das cotas na UFRJ e na Federal da Bahia ensinaram que os cotistas conseguem um desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes, com menor taxa de evasão. Quando Nosso Guia criou o ProUni, abrindo o sistema de bolsas em faculdades privadas para jovens de baixa renda (põe baixa nisso, 1,5 salário mínimo per capita de renda familiar para a bolsa integral), com cotas para negros, foi acusado de nivelar por baixo o acesso ao ensino superior. De novo, especulou-se que os pobres, por serem pobres, teriam dificuldade para se manter nas escolas.
Os repórteres Denise Menchen e Antonio Gois contaram que, pela segunda vez em dois anos, o desempenho dos bolsistas do ProUni ficou acima da média dos demais estudantes que prestaram o Provão. Em 2004, os beneficiados foram cerca de 130 mil jovens que dificilmente chegariam ao ensino superior (45% dos bolsistas do ProUni são afrodescendentes, ou descendentes de escravos, para quem não gosta da expressão),
O DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino foram ao Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade dos mecanismos do ProUni. Sustentam que a preferência pelos estudantes pobres e as cotas para negros (igualmente pobres) ofendiam a noção segundo a qual todos são iguais perante a lei. O caso ainda não já foi julgado pelo tribunal, mas já foi relatado pelo ministro Carlos Ayres de Britto, em voto memorável. Ele lembrou um trecho da Oração aos Moços, de Rui Barbosa: "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real."
A "Oração aos Moços" é de 1921, quando Rui já prevalecera com sua contribuição abolicionista. A discussão em torno do sistema de acesso dos afrodescendentes às universidades teve a virtude de chamar a atenção para o passado e para a esplêndida produção historiográfica sobre a situação do negro brasileiro no final do século XIX. Acaba de sair um livro exemplar dessa qualidade, é "O jogo da dissimulação - Abolição e Cidadania Negra no Brasil", da professora Wlamyra de Albuquerque, da Federal da Bahia. Ela mostra o que foi o peso da cor.
Dezesseis negros africanos que chegaram à Bahia em 1877 para comerciar foram deportados, apesar de serem súditos britânicos.
Negros ingleses negros eram, e o Brasil não seria o lugar deles.
A professora Albuquerque transcreve em seu livro uma carta de escravos libertos endereçada a Rui Barbosa em 1889, um ano depois da Abolição.
Nela havia um pleito, que demorou para começar a ser atendido, mas que o DEM e os donos de faculdades ainda lutam para derrubar:
"Nosso filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guiá-los por meio da instrução."
A Comissão pedia o cumprimento de uma lei de 1871 que prometia educação para os libertos. Mais de cem anos depois, iniciativas como o ProUni mostraram não só que isso era possível, mas que, surgindo a oportunidade, a garotada faria bonito.

ELIO GASPARI é jornalista.